quarta-feira, 17 de abril de 2013

Remédio virtual para garantir a voz

Pesquisadores da UFRN criam software que avalia os sinais da voz do paciente e identifica prováveis patologias.

É preciso ficar atento ao som da voz. A rouquidão, por exemplo, quando persistente, sinaliza que algo não vai bem. O erro é buscar a assistência médica apenas quando o problema já está muito sério. Para facilitar o acesso da população ao diagnóstico precoce, uma equipe multidisciplinar da Universidade Federal do Rio Grande do Norte está trabalhando na criação de um software que avalia os sinais da voz do paciente e aponta para as prováveis patologias. A tecnologia deverá ser acoplada a tablets e smartphones.

A nova tecnologia possibilitará identificar desvios na voz que podem sinalizar para alguns distúrbios, que vão desde nódulos nas pregas vocais até câncer na laringe. E com a utilização deste equipamento no sistema básico, será possível identificar precocemente estes distúrbios. Atualmente, este diagnóstico é feito geralmente por fonoaudiólogos, que estão em maior quantidade apenas na saúde de média e alta complexidade.

O sistema está sendo desenvolvido com o aporte da UFRN, que financiou bolsas de pesquisa. Ele funcionará utilizando um banco de vozes de pessoas doentes e normais. A partir da similaridade com a voz gravada do paciente, o software identificará se há o indício de alguma patologia da voz e, num nível mais avançado, qual a patologia. O ideal, de acordo com o professor do Departamento de Engenharia da Computação, Luiz Felipe de Queiroz, é que o banco tenha, pelo menos, 500 vozes agregadas. Hoje, há pouco mais de 100. (Ao lado um figura em: Leandro Pernambuco, Heliana Bezerra Soares e Luiz Felipe de Queiroz, pesquisadores da UFRN).

A captação dos sinais de vozes está sendo feita a partir das consultas realizada na Clínica Escola de Fonoaudiologia da Universidade Federal e daqueles pacientes encaminhados pela Otorrinolaringologia da UFRN. Com os registros que já tem, explicou Queiroz, o software já faz a classificação correta sobre a existência de alguma patologia em 96% dos casos. O índice é válido apenas quando a questão se refere a ter ou não algum problema.

Quando se parte para identificar a patologia, o índice de acertos ainda é de cerca de 80%. Espera-se, no entanto, que estes valores cresçam à medida que se conquiste a maior robustez do software. O sistema utiliza uma técnica de processamento digital de sinais, que já era empregada em outros sistemas, mas, pela primeira vez, é utilizado para identificar patologias através da comparação de vozes gravadas.

“Nós da computação geralmente criamos um problema para tentar resolver. E desta vez estamos trabalhando com um problema real que existe e o sistema terá um fim prático”, ressaltou Queiroz. A professora de Engenharia Biomédica, Heliana Bezerra Soares, também engajada no projeto, ressalta que o software foi pensando desde o início para ser compatível com várias plataformas. “Nós tivemos a preocupação de que o software funcione em qualquer sistema. Às vezes é criado um sistema que funciona apenas no Windows, por exemplo, ou na plataforma Mac.”, afirmou.

O projeto é focado não só na pesquisa e extensão, mas também contempla o ensino. O professor fonoaudiólogo Leandro Pernambuco explicou que durante o curso nem sempre os alunos têm contato com patologias raras, o que será fundamental durante a carreira profissional. Através do sistema, eles poderão ouvir as vozes com os mais variados tipos de distúrbio e praticar o diagnóstico.

“Existe algumas patologias que são mais frequentes, como nódulos, e outras que não são tantas. Então se você for procurar por um pólipo vocal, por exemplo, é muito mais raro do que encontrar um nódulo. Aí é a oportunidade para um estudante de graduação é fantástica, porque ganha no processo de ensino e aprendizagem”, explicou.

Depois de pronto, o sistema será apresentado ao poder público para que seja integrado à saúde básica. O software, em hipótese alguma, será vendido. “Estamos fazendo a nossa parte e a ideia, de fato, é que o sistema seja útil”, atestou Queiroz.

A utilização do software, no entanto, não exclui a análise de outros profissionais. A avaliação completa é multidimensional, envolve a avaliação perceptiva auditiva, envolve a avaliação de análise acústica e a associação disso tudo com o diagnóstico otorrinolaringológico.

Professores estão entre os mais atingidos

A maior parcela de pacientes que os fonoaudiologistas recebem é formada pelos profissionais da voz. São pessoas que exigem muito das cordas vocais em seu ofício. E, dentro deste grupo, os que mais se destacam são os professores. De acordo com o professor do departamento de Fonoaudiologia da UFRN, Leandro Pernambuco, um estudo recente aponta que 63% dos professores já referiram ter tido algum problema vocal. “De fato, devido ao grande uso da força vocal, é um grupo que chama muita atenção”, reforçou o especialista, lembrando que o estudo também mostrou que boa parte destas pessoas fica afastada do trabalho até cinco dias por causa da voz.

O professor explicou que o mais comum nos pacientes são as disfonias funcionais, que, na verdade, acontecem não por uma alteração orgânica, mas por um mau uso da voz. A consequência pode ser um desvio na emissão vocal, o que pode causar edema na prega vocal ou irregularidade na vibração das pregas vocais. O mais preocupante são as disfonias orgânicos funcionais, em que a mais frequente é o nódulo, conhecido como calo vocal.

A questão ainda envolve o câncer de laringe, que é a patologia mais grave ligada à voz. “O primeiro sinal é a disfonia e com o tempo ela vai piorando”, ressaltou, lembrando que a rouquidão do ex-presidente Lula já era o sinal de algum problema. O caso do petista, complementou o professor, ajudou a dar maior divulgação nacional para este tipo de câncer.

O câncer de laringe vem crescendo, já despontando entre os dez mais frequentes do país. “Se você tem uma rouquidão, uma alteração na voz, que está durando mais de 15 dias e tende a piorar; se também está associada ao problema de deglutição, porque o sistema é um só, tem que procurar um médico otorrinolaringologista, um cirurgião de cabeça e pescoço e um fonoaudiologista para saber o que é”, ressaltou o professor.

Pronto para uso até o final do ano

A expectativa é de que em seis meses o sistema já esteja sendo testado em pacientes e, até o final do ano, pronto para uso. O graduando de Engenharia da Computação, Maurício Nunes, que está desenvolvendo o software, ainda vai precisar de mais três meses para concluir o programa, dos quais um será para fazer a migração de alguns códigos.

A partir de então, ele poderá ser usado para a captação dos sinais. Neste período será estudada a possibilidade de integrar os softwares aos sinais que já existem no banco da Clínica Escola da UFRN. “O importante é manter o padrão de aquisição. Aí a gente pode integrar esse banco e ele cresce de forma mais rápida”, ressaltou o professor Luiz Felipe.

E, em seis meses, o sistema já será testado em paciente para avaliar a robustez do projeto. Por enquanto, ele só está sendo testado em vozes existentes em um banco. Até o final do ano, espera já ter viabilizado uma plataforma que possa embarcar em celular e tablets.

Fonte: Novo Jornal