segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Twitter ofereceu US$ 525 milhões pelo Instagram antes da aquisição pelo Facebook

No final de uma manhã de agosto, Kevin Systrom, executivo-chefe do Instagram, fez um juramento antes de depor em uma audiência no Departamento de Corporações da Califórnia, órgão que almejava saber se a aquisição do aplicativo de fotografia pelo Facebook ia ao encontro dos interesses dos investidores do Instagram.

O Facebook havia solicitado a audiência para acelerar o processo da aquisição.

Quando questionado se sua companhia havia recebido qualquer oferta além da do Facebook à época das negociações, Systrom disse: "Não, nunca recebemos qualquer oferta", segundo as transcrições documentadas. Ele disse que o Instagram havia "conversado com outros, mas nunca uma oferta formal de qualquer um deles."
 
Ivan V. Griswold, um advogado da instituição, perguntou novamente: "Imediatamente antes das negociações, você recebeu qualquer oferta de investid..."

Antes de finalizar sua pergunta, Systrom o interrompeu: "Nunca recebemos qualquer oferta formal ou papéis de contrato", disse. "Não." (Figura ao lado em: Kevin Systrom, do Instagram)

Apesar disso, diversas pessoas ligadas ao Twitter e ao Facebook e documentos recebidos pelo "New York Times" contradizem o que ele disse sob juramento. Systrom e Mike Krieger, o outro fundador do Instagram, encontraram-se diversas vezes no fim de março com os principais executivos do Twitter, segundo pessoas de ambos lados da conversa, que pediram anonimato.

Essas pessoas disseram que o Twitter e o Instagram haviam concordado verbalmente em um valor de US$ 525 milhões (cerca de R$ 1,1 bilhão) pelo Instagram, em dinheiro e em ações do Twitter.

Systrom disse ao Twitter no dia 20 de março que ele e Krieger haviam pensado sobre a oferta e decidido "permanecer independentes". Menos de três semanas mais tarde, o Instagram concordou em ser adquirido pelo Facebook em uma transação de US$ 1 bilhão, negociada pessoalmente pelo executivo-chefe do Facebook, Mark Zuckerberg.

O negócio incluiu US$ 300 milhões em dinheiro e o restante em ações do Facebook. O Instagram era pertencente a Krieger e Systrom, que tinham porções majoritárias, e várias firmas de "venture capital" (financiamento de alto risco).

CONTRAOFERTA

As pessoas familiares com a negociação disseram que os executivos do Twitter estavam chocados pelo fato de que não haviam tido a oportunidade de apresentar uma nova oferta. Eles disseram que o Twitter estava preparado para oferecer valores mais altos.

O Facebook e Systrom se recusaram a comentar os depoimentos e a negociação com o Twitter. Gabriel Stricker, porta-voz do Twitter, também negou-se a falar.

Apesar de parecerem irrelevantes alguns milhões de dólares a mais que poderiam ter acumulado os já afortunados investidores, estes costumam representar fundos que incluem as pensões e participações mútuas de trabalhadores.

O caso também poderia ser visto como um outro exemplo de gigantes tecnológicas que contornam as agências reguladoras.

Constatações feitas por outras pessoas envolvidas na venda do Instagram tampouco falam. Quando o Facebook enviou o caso para os órgãos de regulação californianos, o conselheiro-geral Ted Ullyot escreveu que, apesar de o conselho ter considerado alternativas possíveis, havia "falta de interesse em adquirir a companhia por parte de outros potenciais candidatos." Por meio de um porta-voz, o Facebook recusou-se a comentar.

O diretor de comunicação do departamento de corporações, Mark Leyes, disse que o órgão que deve proteger consumidores e investidores de sofrerem com o chamado "self-dealing", ou transações mal-intencionadas não havia "recebido qualquer reclamação ou protesto sobre a idoneidade do processo de aquisição do Instagram pelo Facebook."

Figura em: O brasileiro Mike Krieger (à esq.) e o americano Kevin Systrom, fundadores do Instagram.

 "Em geral, disse Eric Talley, um professor de direito na Universidade da Califórnia, Berkeley, "se há juramento, há chances de falso testemunho." E também, adicionou, "há riscos de fraude quando uma frase pouco precisa, dita para seus investidores, viola leis antifraude estaduais ou federais."

Talley disse que há mais razões pelas quais pessoas podem tentar ocultar informações, incluindo os "amenizadores de negociações", em que alguém pode ser mantido em um alto cargo ou passar a ganhar um salário maior.

Systrom, que havia trabalhado no Google no setor de aquisições e fusões, foi cauteloso em suas relações com o Twitter desde o princípio. Ele pedia que encontros fossem realizados em restaurantes nos arredores de San Francisco, em vez de em algum dos escritórios das empresas, segundo pessoas que participaram das conversas.

Quando ele recebeu uma das folhas dos termos de contrato de um funcionário do Twitter, ele devolveu e pediu um final de semana para ponderar os detalhes.

É possível que investidores se saíssem melhores se a empresa fosse vendida em um leilão aberto, para o Twitter ou mesmo Google e Microsoft.

FATURAMENTO MENOR

O negócio com o Facebook foi fechado em US$ 735 milhões no começo de setembro, após as ações da rede social despencarem por causa do medo gerado nos investidores sobre o fraco prognóstico de crescimento do faturamento da empresa.

Dado o fato de que o Twitter, empresa de capital fechado, deve faturar US$ 1 bilhão no próximo ano, segundo estimativas, o que deve aumentar consideravelmente sua valoração, os investidores do Instagram teriam feito milhões de dólares a mais.

Não está claro por que o Facebook não mencionou o interesse do Twitter. Uma pista pode ser encontrada em um documento sobre os resultados do primeiro semestre, que o Facebook apresentou à SEC (comissão de valores mobiliários americana) para detalhar a aquisição do Instagram: Talley disse que foi usada linguagem típica de casos antitruste.

A linguagem do documento, que incluía uma taxa de rescisão de 20% para o caso de o negócio dar errado, "sugere que há uma séria preocupação sobre uma investigação antitruste da FTC", disse Talley, referindo-se à Comissão Federal de Comércio dos EUA. "Essas questões antitruste não teriam sido levantadas caso o Instagram estivesse sendo vendido ao Twitter ou ao Google."

Um representante da FTC, Mitchell J. Katz, recusou-se a comentar.

ANTITRUSTE

Também havia a questão de o que Systrom e os reguladores consideravam uma "oferta formal". Apesar de advogados definirem de maneira divergente, foi perguntado a Systrom se ele havia recebido qualquer oferta, formal ou não e ele disse sempre não.

O Facebook já esteve emaranhado com reguladores anteriormente. O que a empresa faz com os dados que recolhe de seus usuários atraiu a atenção da FTC, que acusou a empresa de práticas "injustas e enganosas". A agência, em um acordo, obrigou o Facebook a emitir relatórios de privacidade por 20 anos.

Também houve atrito entre o Facebook e a SEC sobre a estratégia para dispositivos móveis da rede social, em um documento que ainda não foi divulgado.

No final da audiência, os funcionários da reguladora perguntaram a Systrom uma terceira vez se ele havia recebido qualquer oferta: se havia qualquer "outra solicitação de terceiros sobre uma possível aquisição do Instagram" depois que o negócio com o Facebook havia sido anunciado. Apesar de os executivos do Twitter terem tentado contatar Systrom, ele respondeu: "Eu e o conselho não recebemos qualquer contato."

Fonte: Folha de S. Paulo